Tuesday, March 12, 2013

Como um papiro


Quando somos pequeninos, queremos ter infinitos horizontes, mais ou menos 1 por semana. Ou queremos ser doutor ou engenheiro, condutor de pesados ou montador de tectos falsos, agricultor ou presidente. Eu queria apenas ser uma ovelha. Não foi espontâneo. Foi adquirido e muito bem ponderado. Também queria ser aviador (e mantenho) mas na minha aldeia não havia estradas compridas para aterrar o avião nem pessoas suficientes para me verem aterrar o avião (a necessidade de reconhecimento já vem da infância). Então queria ser ovelha. As ovelhas eram giras. Dormiam por baixo das árvores que tinham passarinhos. Estavam sempre a comer. Andavam devagarinho sobre as gramíneas. Eram contemplativas. Introspectivas. Não tinham frio. Nem calor. Vestiam-se com uma almofada gigante de lã. Eram inteligentes. Falavam. Comunicavam. Estavam sempre de bem com a vida. Lamento ter passado ao lado de uma carreira de sucesso de ovelha, mas os traços contínuos da vida nunca foram impeditivo para ultrapassagens mais ou menos arriscadas que me conduziram ao presente. Recordo-me, como se fosse neste instante, das ovelhas da minha aldeia. Quando as minhas pálpebras se tocam, recordo-me melhor ainda. E sinto saudades. Imensas. Um oceano indecifrável e nostálgico. Como uma carta, que resta, permanece, fica. Como uma menina. Como uma caixa de correio onde deposita um retrato. Como uma flor. Como um prado de malmequeres. Como um papiro. 

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