Thursday, October 05, 2006

Qual o caminho?


Como era bom se o respeito e aprumo emocional dos portugueses fosse medido com base, por exemplo, não na quantidade de beatas, pastilhas, excrementos caninos e eventualmente humanos, pequenos volumes de saliva vindos das entranhas do organismo ao som de um rasgar de garganta que compete com o mais antigo motor de um tractor agrícola a arrancar em manhã fria de Inverno, restos de materiais que não trazem valor acrescentado lá em casa... enfim... e fosse medido pela forma como inconscientemente respondemos quando solicitados a auxiliar um indivíduo perdido algures pelo nosso Portugal. Senão vejamos...
A última vez que parei o carro, abri a janela e, reduzindo o volume do auto-rádio, pedi claramente ajuda para ir ter ao meu destino foi, há 3 dias, algures perto de Mafra. Meus amigos, garanto-vos que este episódio é verídico!
Nota: o indíviduo, aparentando 70-80 anos estava de boina, e havia uma corda que, numa extremidade tinha a mão do indivíduo e, na outra, um burro. Vamos considerar o indivíduo como TMB (Ti Manel do Burrico).
Eu: Boa tarde, amigo! Como é que vou para o Turcifal?
TMB: Olhando assim, parece que vai de carro!
(reconheço que por momentos vacilei entre o sorriso e a vontade de atropelar o burro que não tinha culpa nenhuma)
Eu: (sorri)
TMB: Olhe (apoiou-se no carro com a mão livre), você está de carro ou a pé?
(neste momento já estava um primeiro carro parado atrás e começa a sentir-se aquela vontade de deixar de ser simpático e arrancar, mesmo perdido).
Eu: sorri (mas pouco)
TMB: Voxê faz axim, `tá a ver ali aquela estrada redonda (era uma rotunda...), não vira para lado nenhum, vai xempre em frente. Ósdespois "há-dem" aparecer uns xinais e voxê xe tiver vermelho pára.
(Começo a perceber que tenho aqui um amigo com quem seria interessante ter uma conversa a beber uma coca-cola (os átomos da cerveja e o meu organismo repelem-se mutuamente) e uns tremoços mas num café, não numa fila de 3 ou 4 carros e 1 moto (o burro preenchia o único espaço livre da estrada) que entretanto esperavam que eu andasse).
Eu: e depois é sempre em frente... pergunto a alguém lá mais para a frente (tentando apressar).
TMB: É em frente mas ósdespois vira à direita (e nisto o Ti Manel começa a desenhar com o braço esquerdo uma curva) ao pé do Zé Foices, xabe adonde éie, num xabe?
Eu: então não sei amigo? O Zé Foices! Já tou a ver tudo, já sei onde fica!
(sim... foi uma tentativa desesperada de andar, depois de escutar a primeira buzina). Enquanto olhava para o retrovisor, naqueles 3 segundos de perplexidade perante o episódio que estamos a viver, senti a loucura a apoderar-se de mim... 15 carros parados atrás, um louco agarrado a uma burra ou vice-versa, um Zé Foices algures aqui perto e associei-me a este quadro patológico pouco animador porque me ocorreu Zé Foices... deve ser Zé da parte do pai e Foices da parte da mãe... e se o pai fosse Licínio Ceifeira e a mãe Lucília Debulhadora... tirei os olhos do retrovisor e lancei um muito obrigado...
TMB: Prontos, então já xabe, ali na estrada redonda num xe bote a virar para lado nenhum! Depois é sempre em frente até aparexerem uns xinais...
(engrenei a primeira e aliviei a embraiagem suaves centímetros, sempre agradecendo).
Eu: pronto, meu amigo! Obrigado! Obrigado!
TMB: Prontos atão! Agora é sempre em frente e ósdespois ali na estrada redonda não dê importânxia porque é xempre em frente e ósdespois.
(garanto-vos que esta afirmação ainda foi proferida, sempre com a mesma descontracção e convicção pelo Ti Manel da Burrica, por mais duas vezes, acompanhando o carro com a mão apoiada na porta).
Agradeci em altos decibéis e arranquei. Olhei pelo retrovisor e reparei como o Ti Manel e o burro ficaram a apreciar se eu ia em frente na "estrada redonda" enquanto um dos veículos barafustava com ele que respondia com uma saudação.
Impressionante! Não me recordo de viver uma auto-novela destas nos últimos tempos. Mas há um enredo sempre comum: não é verdade que sempre que pedimos ajuda para encontrar um destino, depois de entendermos tudo e agradecermos, há sempre uma repetição da primeira cena? A repetição da explicação - parte II, normalmente já com o carro em andamento muito suave.
A GNR e a PJ deveriam utilizar este post para construir uma medida a aplicar aos prisioneiros mais violentos. Por exemplo: tu, Quim Quebra-Ossos, vais passar 20 anos no cruzamento da Av. Infante Santo com a Av. 24 Julho a esclarecer os perdidos. Isso deve acalmar-te. Senão vais para Mafra ter com o Zé Foices que ele limpa-te o sarampo!
É só uma dica... :))
Ti Manel, agora vá sempre em frente com essa boa disposição e só pare se encontrar a sua Maria, numa qualquer estrada redonda da vida...!

5 comments:

Sofia said...

Olá,
Passei aqui para retribuir a sua visita e para dizer que também gostei muito do seu blog.
Voltarei outras vezes!
Abraços,

Maríita said...

Li o teu post com um sorriso, é verdade que o Ti Manel com o seu burricoque empatou o transito todo, mas gostava de saber em que outro país alguém sairia do seu caminho para dar indicações ou para ajudar fosse no que fosse. É por histórias como estas que eu adoro Portugal e que cada vez que penso que estaria melhor a viver no estrangeiro, repenso a minha posição...Não há país como este.

Beijinhos e obrigada pela visita

saltapocinhas said...

Vim agradecer e retribuir as tuas visitas: tens aqui um excelente blog! Parabéns! (e ainda não o vi todo, só dei uma espreitadela rápida)
Em relação à história que contas, uma vez andei por esses lados à procura do Mucifal!
estávamos numa casa na praia das maçãs e de cada vez que precisávamos de alguma coisa (pão, fruta, carne, o jornal, etc) e perguntavamos onde havia toda a gente dizia "ai isso só no Mucifal"
Foi um fartote de rir e ainda hoje cá em casa quando não sabemos onde comprar alguma coisa há sempre alguém que brinca "no Mucifal deve haver"
E gosto sempre das explicações quando ando perdida. As pessoas são sempre muito simpáticas e tentam ajudar, mesmo que nos baralhem ainda mais!!

. said...

O que eu já me ri...

Obrigada pela visita ao meu blog.

Black Cat said...

Hi hi hi hi hi

Fantástico este teu relato :)

Gostei do teu blog, parabéns!!

Um sorriso,

.), Miau