Monday, November 27, 2006

O crepitar do tempo...


É, invariavelmente, a receita mais simples de sempre... uma chama, vestígios de madeira e uma pitada de moléculas de oxigénio a esvoaçar...
Ainda não é Inverno, mas para mim já é Inverno. Preenche-me de devaneios tétricos, plangentes, melancolicamente perturbadores. Tenho dificuldade em conceber um mundo feliz por baixo de um tecto cinzento, turvo, por entre periclitantes nuvens em nítido processo de exprobração irritante, mas justa. Mesmo assim não consigo censura-te, Inverno. Desenhas a cada ano, a cada pingo de chuva, a cada fagulha de um trovão, a mesma nostalgia de sempre, de um bem perdido... o mundo fantástico da infância.
É impressionante a imensidão de emoções que despertas, do sensato ao absurdo, da beleza à fealdade, do imperdível ao desprezível... és norte e sul de um só hemisfério, Inverno. Desenhas vincos de tristeza que me rasgam a face de forma impenitente quando te atravesso nas ruas encharcadas de cinzento e de humanos cabisbaixos mas pintas raios de uma cor indefinida quando me recordo de um passado presente em cada dia da tua passagem.
Nunca tive, até hoje, melhores momentos do que um acordar na velhinha casa dos meus avós, no meio de serras medonhas mas meigas, no velho e queixoso sofá da sala, vestir a correr as calças de puto que frequentemente julgava que uma bicicleta podia ser uma moto nas descidas até ao riacho, apanhar algumas gotas de orvalho até entrar na cozinha onde, no chão de pedra, a lareira crepitava no tempo... como foi bom sorver o aroma intenso do café feito pela avó, mantido à lareira na velhinha cafeteira de latão, ver entrar o avô sempre a sorrir e a sentar no velhinho banco de madeira encostado à lareira que crepitava no tempo... como foi bom aquecer junto das brasas, com o velhinho garfo de ferro, a generosa fatia de pão da avó... como foi bom pegar na conchinha vermelha de dar milho e farelo às galinhas, e apanhar cada ovo, frágil e delicado, como se de um diamante se tratasse...
Nada é mais empolgante que nascer numa pequena aldeia, perdida entre serras medonhas mas meigas, respirar o orvalho de cada manhã inspirada pelo crepitar do tempo, de uma brilhante, deslumbrante e crepitante lareira...
Hoje, nada é mais intenso que manter a lealdade para com uma lareira que, em confidência, nos crepita um sopro de passado, aquele bem nostálgico que tu me trazes, Inverno...
Acreditem ou não, tudo isto nos permite, no limite, desenvolver um espectro emocional demasiadamente colorido para aqui ser descrito... ;)

11 comments:

Anonymous said...

Tá mto bonito este post, colega Polarito!
Muito profundo...
Quiçá o post + bonito do munde!
LOLOLOL

Sofia said...

Lindo o seu post, profundo e emocionante.
Obrigada por me lembrar as coisas boas da vida.
Abraços,

Anonymous said...

bonito,profundo e sobretudo a reviver as coisas boas da vida!

parabéns por tão bonitas palavras!

uma fã!

Maríita said...

Hum, quase consegui sentir o calor do amor dos teus avós e do fogo na lareira. Às vezes são as coisas pequenas da vida que nos fazem esboçar os sorrisos mais bonitos.

Beijinhos

Anonymous said...

Boa viagem!

mas quem vai a roma e não vê o papa....

bom fim de semana!

uma fã!

Unknown said...

Hey Sr. Polarito!!

Faz favor de se divertirem em Roma...

Um belo post sim sra...

Andas a reviver a criança que há em ti tou a ver!!!

lollllllllllll

Beijocas

Esquilo said...

impressionante...
Tá dito...
Até as imagens...
Belas...

Cathy said...

a unica coisa boa que tem o inverno é precisamente o aconchego quente da lareira!!! e da lenha a queixar-se...

num sei se a tua avó tb fazia, mas a minha até punha na lareira uma panela com três pernas de ferro, onde fazia a sopa, o belo do torresmo, cozia o feijão, etc... aquilo é que sabia bem...

e torrar o pão nas brasas?? e depois pôr a manteiga.... nham nham...

:P

A Flor said...

Hummmm... adoro o "cheirinho" do fumo da lareira! :D

Eu sou menina da cidade. Mas como gostaria de ter nascido numa dessas aldeias pitorescas no interior do nosso lindo Portugal!... GENTE SÃ E SAUDÁVEL! :D

Para grande tristeza minha, nunca conheci os meus avós. A minha avó materna, morreu tinha eu 6 anos e o que me recordo.... é que não a queria beijar, porque não tinha dentes! ih ih é verdade! :D

Beijão muito, mas muito florido para ti.


Continua a escrever com a alma. Gosto imenso do que escreves.

Flor :D

Márisa said...

Muito bonito!
Eu adoro a lareira! :-)
Pode ser algo tão bonito e tão romântico!
Beijinhos

Anonymous said...

gostava de saber quando é que este blog é actualizado!


é só Laura ,Laura,Laura.......