Saturday, July 26, 2008

If there is something...

... e passaram 9 dias... e 9 noites... de total destruição mental e de uma fragmentação física a cada segundo mais intensa. Foram dias e noites sem descansar uns míseros segundos. O corpo já não responde, os sorrisos já não se desenham, por mais fictícios que sejam. Foi, talvez, a única experiência da minha vida que não consigo transmitir por palavras. Nem por imagens nem por nada. É manter um furacão interior e não conseguir expulsá-lo. Ele é alimentado e nós não. Até à destruição.
Estes dias passaram em "slow motion" numa película de tragédia antecipada. Aquele ritual de deslocação para o hospital, deixar o carro afastado para que pudesse atravessar um pequeno jardim, como que adiando o inevitável... a entrada, onde entravam famílias para acompanhar um doente e saíam famílias em sorrisos desmedidos com um bebé ao colo. E eu, sozinho, subia vagarosamente as escadas, como que adiando o inevitável... entrava no corredor do piso 4, deslocava-me até à porta do quarto e, num último suspiro profundo, como que adiando o inadiável... entrava. Esforçava-me por fazer o meu sorriso mais rasgado, com a alma dilacerada, mas um sorriso brilhante e contagiante e olhava para a minha Mãe. Ela sorria-me também. O sítio mais triste do Mundo, os momentos mais tristes da Vida, mas dois Sorrisos... O meu Pai já estava lá desde o início. Assim passávamos a tarde, a mesma união, mas num local diferente. Os médicos foram sempre alertando para o pior, mas eu animava-os... "Dra, vamos todos fazer o nosso melhor. Vai correr tudo bem!"... e recebia um sorriso, nada mais. Mas para mim era o suficiente. Quis andar iludido, porque senão, não conseguia andar... A pouco e pouco a minha Mãe foi sendo medicada com substâncias causadoras de depressão respiratória e cardíaca, para atenuar a dor e, lentamente, provocar a morte... ao anoitecer, deixava a minha Mãe, um afago na face, um beijo lento na testa, palavras segredadas ao ouvido que guardo só para nós e, como sempre, simulava uma ida à casa de banho para deixar algumas lágrimas deslizar pela minha face trémula de raiva e de dor... Foi assim todos os dias. E todas as noites... No final, há exactamente 1 ano atrás, nesta noite, a minha Mãe já não abria os olhos, já não falava... Senti que queria passar a noite com Ela... Deixei o hospital às 20h, vim a casa buscar um livro e uma pequenina imagem de Nossa Senhora de Fátima com muito valor para a minha Mãe. Levei-A às escondidas na minha mochila. Entrei no hospital às 21h, deixei a imagem em cima da mesa de cabeceira, veio uma enfermeira fazer a minha cama ao lado da minha Mãe. Que sensação tão estranha... Não me quis deitar nunca. Quis ficar sentado a olhar para a minha Mãe a cada segundo, a segurar-Lhe a mão e a contar histórias. E os minutos passavam, num silêncio perturbante. É, garanto-vos, uma experiência que transcende muitos dos limites humanamente suportáveis. Em todos os aspectos. De madrugada, os enfermeiros tentaram que eu fosse para casa. Queriam chamar alguém, para eu não ir sozinho. Em vão. Nem sozinho nem acompanhado. Queria ficar com a minha Mãe. A minha amiga Gisela veio ter comigo, passámos uns minutos à porta do hospital. Não se via vivalma nesta noite. Obrigado, Gi. Voltei para o quarto e ali fiquei em silêncio, sentado ao lado da minha Mãe. Apesar de toda a dor e sofrimento, continuava linda como sempre. Dei-lhe a mão e fechei os olhos. Fiquei assim muito tempo, a imaginar histórias tão bonitas que vivemos. Ela estava quente e a transpirar. É "o" sinal... Um enfermeiro entrou e pediu-me para ir para casa, a qualquer momento aconteceria o pior... Se, dentro de mim, havia algum sentimento, então senti o abismo de um vazio... não era mais eu que estava ali... pedi-lhe uns minutos. Ele saiu. Beijei a minha Mãe como talvez nunca tenha feito. Contei-lhe coisas que nunca tinha contado. Limpei-lhe o suor, abracei-a, olhei uma última vez para aquela face tão linda e amável, para as suas mãos doces e, pela primeira vez chorei ao pé Dela. Foi também a última... Imaginei-a a sorrir, olhei para as flores que Lhe tinha oferecido, e saí... cada segundo mais avassalador que outro. Olhei para o enfermeiro e não consegui balbuciar uma só palavra. Entrei no carro, olhei para a janela do quarto da minha Mãe. Tinha a visão turva de lágrimas, o corpo tremia de sangue que fluia poderosamente nas minhas veias, querendo explodir a cada instante. Vim para casa muito devagar, enquanto o dia nascia. Tantas vezes quis ir contra uma árvore ou um muro. Mas também não conseguia. Entrei em casa. Ao meu Pai, disse que tudo estava bem. Deitei-me, a olhar para as estrelas que brilhavam no tecto do meu quarto, a que a minha Mãe tinha assistido quando as colei, abanando a cabeça com a criancice de um filho que já deveria ser um homenzito. Fechei os olhos imaginando que estava com Ela e... o telefone tocou...
Se, no primeiro dia da minha vida, a minha Mãe me abraçou e beijou, me segurou no colo em lágrimas de alegria, guardo para mim e com respeito de, no último dia da Sua vida, eu A ter beijado e abraçado. Adormeci a minha Mãe ao meu colo, em lágrimas de profunda mágoa... Não sei como consegui, mas consegui... e, quando estou triste, lembro-me desta noite, há exactamente 1 ano atrás, de tudo o que aconteceu e que foi muito mais do que aqui está escrito, e que vive dentro de mim, como se fosse hoje... Acredito que tudo o que fiz pela minha Mãe, não seria surpresa para Ela.
Na noite seguinte, escrevi pelas minhas mãos uma carta que Ela redigiria com a Alma. Li-a durante a Missa e fiz muitas pessoas acreditar, até hoje, que existe Algo mais bonito do que aquilo que por aqui passamos. Vi sorrisos, numa hora de tristeza. E vi rosas brancas, centenas. Como a minha Mãe teria gostado...
Depois disso, aventuramo-nos na vida e procuramos ser felizes com as pessoas que nos amam. Continuo a sair de casa e a olhar para a janela, numa ridícula ilusão de A ver acenar para mim como fazia todas as manhãs...
If there is something in the sky besides rain, maybe. But only if...
Obrigado, Mãezinha...

3 comments:

Anonymous said...

ela vai tar sempre a olhar por ti, entre as estrelas mais bonitas do céu... tal como tu olhaste sempre por ela... o maior orgulho dela é ter um filho assim, uma familia assim! beijinhos doces...

Anonymous said...

Um beijo muito grande desta tua amiga que gosta muito de ti... estarei sempre aqui para ti querido amigo...

Anonymous said...

COMO É QUE É POSSIVEL, NÃO CHORAR COM ESTAS TÃO LINDAS PLAVRAS?

OS SENTIMENTOS MISTURAM-SE DE REVOLTA E AMOR, POR TER QUE DEIXAR A PESSOA QUE MAIS NOS AMOU NA VIDA!

SÓ QUEM JÁ PASSOU POR ESTA SITUAÇÃO SABE O QUE SIGNIFICA A DOR NO PEITO DE APERTO DE NÃO CONSEGUIR FAZER O TEMPO PARAR E NÃO TER QUE VIVER TODAS ESTAS SITUAÇÕES.

UM BEIJO PARA TI, QUE DEUS TE ABENÇOE !