Monday, February 02, 2009

Hélia Correia

Lembro-me tão bem como se fosse hoje. Era delegado de turma, como nos anos anteriores. Como nos anos seguintes. Só tinha de ficar na fila da frente nas aulas de Inglês porque a Directora de Turma exigia e de separar os amigos quando havia porrada no recreio. Era o mais alto da turma e por isso nunca me deram porrada. Foi pena. Gostava de ter andado à zaragata mais vezes e vou ter de, num futuro próximo, libertar em alguém a zaragata reprimida que há em mim. A "stôra" Hélia foi a minha professora de português. É uma escritora magnífica que, infelizmente, nunca teve a fama que outros alcançaram à custa de nada. Tinha uma pós-graduação em Teatro, que me fez pensar muitas vezes se eu não deveria seguir outro caminho na vida. Lembro-me como se fosse hoje dos olhares cúmplices que trocávamos nas aulas. Lembro-me que eu não precisava de fazer testes. Lembro-me de encenar o "advogado de defesa" do Menino Selvagem. Um dos filmes mais "puros" que já vi. É a história de um menino abandonado num bosque e, quando foi encontrado, anos depois, andava como um quadrúpede, tinha hábitos anti-sociais, órgãos pouco flexíveis e a sensibilidade embotada, não falava, não se interessava por nada e a sua face não mostrava qualquer tipo de sensibilidade. Toda a sua existência se resumia a uma vida puramente animal. Uma história verídica. Lembro-me de todos os professores pararem a assistir aos meus argumentos, no Teatro da Escola. Lembro-me que quebrei qualquer fronteira entre a ficção e a realidade. Fui, de facto, um defensor de uma causa fantástica. A causa da Liberdade. Tenho pena de não poder ter várias vidas ao mesmo tempo. Gostava de continuar a sonhar e viver histórias ainda por inventar. Gostava de as inventar. E partilhar. E animar os que precisam de um sopro de inspiração. Foi isso que a "stôra" Hélia fez em mim. Obrigado.

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